sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Outro, minha prática ética

Não há como desprezar a existência do Outro como um ser significante em minha vida, usando-se ainda o Outro com O maiúsculo para fazê-lo presente mesmo na ausência. O jogo de palavras que se é feito com essa questão do eu e do outro exemplifica bem o que realmente se deve ser. Eu sou o Outro no eu de um outro ser.
Todos nós precisamos nos dar conta da presença do Outro ao nosso lado, pois temos uma responsabilidade sobre ele. Quando olhamos para a criação do mundo e o primeiro escândalo fatal da humanidade, que foi a morte de Abel por Caim, percebemos que o Criador chega até Caim e pergunta por seu irmão, vejamos:
“Disse Caim a seu irmão Abel: Vamos ao campo. Estando eles no campo, Caim se levantou contra seu irmão Abel, e o matou. Disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele respondeu: Não sei. Acaso sou eu guardador do meu irmão?” (GÊNESIS 4: 8,9)
Deus não perguntou por acaso, pois o tom e as palavras usadas por Caim declaram que o Criador procurava Abel em Caim, uma espécie de total responsabilidade, uma sintonia. É interessante notar que ao longo da história, narrada pelas sagradas escrituras, o Outro é visto de forma primordial, ao ponto do próprio Deus dizer que o homem não poderia viver só, ou seja, mesmo tendo Deus como convidado todo fim de tarde, como narra o autor do Gênesis (c.f. cap. 3 vers. 8), para conversar e trocar experiências, o homem precisava de uma companheira e aí vem a mulher, uma ajudadora, como está escrito a partir do versículo 18 do capítulo 2 do Gênesis, daí a criação do Outro.
Um dos grandes problemas da humanidade é saber lidar com esse Outro, também conhecido como próximo. Isso porque quando se há um outro fora de mim, então acaba minha solidão, meu mundo, minhas coisas, minhas belezas ou os meus ridículos, mas agora preciso reconhecer o valor e a importância de algo que parece comigo, que tem sonhos, desejos, necessidades e precisa tomar decisões, tudo isso igual a mim, com a faculdade de fazer ou não fazer, de acordo com seus conceitos e valores.
Essa convivência exige certo grau de respeito e esmero em cada atitude, sabendo-se do risco de andar sobre uma linha tão tênue. Nesse contexto podemos visualizar a questão do agir moral e eticamente correto. Quem dirá o que se dizer diante de determinada situação, ou de repente como falar. A discussão é sobre qual a real base para todo código de regras de uma sociedade e esse é um problema antigo, quando as culturas fazem não somente separações geográficas, mas ideológicas e relacionais. O nosso maior desafio é saber que o Outro não tem cor, não tem raça, não tem rosto, ele é simplesmente o Outro que é tão parecido comigo ao ponto de eu me confundir quando chega o meu limite no começo do dele, do Outro. Acima de qualquer código está o bom senso e a gentileza precisa.
Um dos grandes líderes que a humanidade já conheceu, Jesus Cristo, enquanto ensinava sobre a preciosidade da convivência, disse que o que devemos fazer com os outros é justamente o que queremos que eles nos faça, ou seja, o grau de responsabilidade me imposta baseia-se no que está no outro mas que é atribuído a mim; a reação do outro deve depender de mim, sem esperar que parta do Outro, até porque eu sou o outro para aquele eu, devo ser exemplo para ele.
Hoje, o homem conseguiu uma proeza que tem acabado com sua face, que tem destruído sua função tanto como eu tanto como Outro. A invasão da mídia em nosso cotidiano possibilita uma vida perfeita, onde tudo é bem organizado e o meu eu pode se camuflar ou até mesmo se expressar de forma aberta e espontânea, criando um mundo de responsabilidades fracas, ou, às vezes inexistente. Por exemplo, a grande responsabilidade que o homem pode assumir na vida e talvez nada, em nenhum momento da história passada ou vindoura possa superar, é o “termo assinado” no dia do casamento, onde se faz um contrato perante os homens e uma aliança entre as partes interessadas, um passa a ser responsável pelo outro e é justamente aí que percebemos o início do desabar do homem em relação a sua responsabilidade para com o Outro. Nossa sociedade indica um ponteiro sem antecedentes quando se fala em casamentos destruídos, quando se chega ao máximo de descompromisso com o Outro.
Ao agir pelos estímulos sugeridos por tecnologias que visam o afastamento físico, ou seja, a cúpula midiática inteira, o homem corre o risco de trilhar tanto um caminho de irresponsabilidade por si, como tutor de uma consciência, como também, e principalmente, pelo Outro, aquele que forma o meu eu, que modela o meu eu. Enfim, a presença do Outro me faz ser mais eu, me abre os olhos para como devo ser. Não posso esperar a ação do Outro para começar a agir, mas o fato de saber que o Outro é simplesmente eu, com desejos, necessidades e limitações me faz entender o porquê de somente podermos sobreviver se for em sociedade.

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